2.9.07

Percepções


“A beleza do mundo está na cara do feio!” Foi assim que Patrícia Amaral, cantora belo-horizontina, relatou em uma de suas músicas a percepção que tem em relação à beleza humana. Concordo plenamente com o argumento de Patrícia. A beleza de uma pessoa reside em um sorriso alegre, não naquele esteticamente perfeito; é refletida por um olhar radiante, cujos olhos não carecem de tons azuis ou verdes; é emanada por uma aura contagiante, que jamais é esboço de um corpo perfeito.

Declaro sempre minha paixão por gente. Apesar de muitas vezes frustrado por atitudes que me deixam descrente da pessoa humana – que é cheia de defeitos e age sempre por interesses – insisto em buscar no cerne da alma a divindade que nos caracteriza homo sapiens sapiens. É a essa busca que atribuo minha paixão pelo jornalismo. Muito além de reportar fatos, acumulo em meu ofício histórias de gente. Inclusive, já declarei aqui que é o humano que me inspira. Cada um carrega em sua história de vida um ponto comum a todos os seres, mas que é apreendido e compartilhado de forma particular.

Prega o cristianismo que somos feitos do mesmo barro e que também é único o nosso destino. Talvez por isso sejamos tão semelhantes em nossas aflições e angústias, anseios e desejos. Pouco importa o local onde nascemos, a família com a qual nos criamos, os amigos que cultivamos, se somos pobres ou abastados, cultos ou analfabetos, homem ou mulher... nossa busca é sempre a mesma.

Mas, afinal, o que buscamos? Liberdade? O paraíso? Um amor? Ou seria simplesmente paz de espírito? É isso o que almejo compreender. É essa curiosidade que me faz sentar ao lado de um mendigo e tragar com ele alguns cigarros que desencadeiam certa prosa, ou me faz reunir crianças em uma pracinha de interior e com elas conversar brincando. É com a mesma curiosidade que converso trivialidades com um artista famoso; que assisto a filmes; que leio livros. Qualquer oportunidade de conhecer gente é por mim aproveitada.

Em verdade, não é qualquer pessoa que me interessa conhecer (assim como não é qualquer filme que me atrai em uma locadora, ou qualquer obra que adquiro em uma livraria). É preciso muito mais que um rosto bonito para me despertar qualquer interesse de aproximação. É necessária uma capacidade de render assunto por mais de uma cerveja; uma fresta de sinceridade no olhar; certa sutileza de gestos; e uma empatia que, sinceramente, não esteja associada à afetividade ou à sexualidade.

Minha busca, marcada por encontros e desencontros, não é sempre voluntária. Em diversas situações o acaso (existe mesmo esse tal de acaso?) coloca em meu caminho pessoas que jamais imaginaria conhecer e que, de alguma forma e por algum motivo, se tornam singulares.

Há pouco tempo vivi um momento de fossa, daqueles “pára mundo que eu quero descer”. Para distorcer tal estado de espírito, me vali da volúpia ao exaltar os símbolos máximos da luxúria (quem já leu A Casa dos Budas Ditosos, saberá do que estou falando). Seria um fim de noite ainda mais imundo se não cruzasse meu caminho uma pessoa completamente diferente das que poderia encontrar naquela situação. Houve um bom diálogo, certa troca de experiências de vida e grande interesse, de minha parte, em conhecê-la melhor. Identifiquei-me muito com a história de vida dela. Apesar de conter fatos, ambientes e personagens diferentes, as experiências nos são muito semelhantes.

A princípio, não haveria qualquer possibilidade de um reencontro. Mas, algumas casualidades proporcionaram sim outros contatos. Não posso, de forma alguma, fazer qualquer juízo de valor em relação a ela, pois, infelizmente, tais contatos não foram suficientes para conhecê-la. Todavia, mais essa experiência serviu-me para fortalecer a única certeza que pude, até hoje, definir quanto às relações humanas (e que contraria o jargão popular): a primeira impressão, definitivamente, é a que NÃO fica.

4 comentários:

Anônimo disse...

Entendo muito bem quando você diz que gosta mesmo é de gente. Entendo e compartilho do mesmo sentimento. Afinal, meu amigo, se tem uma coisa que nos aproxima é esse fascínio pelo ser humano e sua beleza divinamente revelada na sua imperfeição.

Afinal, toda complexidade humana é capaz de simular e ocular tanto virtudes quanto defeitos, muitos deles (na maior parte das vezes) não perceptíveis à primeira vista. Afinal, ainda vivemos num mundo de imagens, e são poucos os que enxergam com os olhos da alma.

Em tempo: excelente texto, como sempre!

Abraçao!

Mah Caldeira disse...

Eu tenho fases. E tem fases em que tenho preguiça de gente. Essa é uma delas. rs. Mas você é que tá certo!!! Se não fossem as pessoas pra alterar nossos paradigmas, o que seria de nós!?

...

Eu posso ficar um tempão sem vir aqui, mas fato é que eu sempre volto! E sempre fico apaixonada por teus encantos literários!

Beijão!

Marco disse...

Cof!
Cof!
Cof!

Anônimo disse...

nossa... que bom voltar aqui neste teu espaço e ler um post tão interessante e inteligente... coisa rara na internet... parabens cara...!