20.2.10

Palavras, cores, sons e aquela tal insanidade


Eu te digo: estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais
porque agora tornou-se um outro instante-já que também não é mais.
Clarice Lispector

Interação Universal - Guilherme Carvalho

Mais de duas da manhã e minha mente ainda está repleta de clichês. Hesito em deslizar a ponta fina no papel e repetir frases prontas. Tinham mais cor e brilho os versos de antes. Minha escrita tornou-se opaca. Pinto-a quando posso.

Receio escrever nestas noites, ou mesmo naqueles dias, em que meu peito e minha mente disputam voz. Tenho medo de registrar esses solilóquios. Nunca confessei, mas tenho medo da palavra escrita. A palavra falada morre no silêncio próximo. Já a palavra escrita é feito matéria: deixa resto. Quando dita deixa apenas lembrança.

Adoro a palavra palavra. Tem mais ritmo quando pronunciada sílaba-a-sílaba: PA-LA-VRA. Também gosto da palavra sílaba. Na verdade, gosto de todas as palavras. Principalmente das que sugerem amor, mesmo que seja: dor. Simpatizo-me também por aquelas que remetem à força: não, por exemplo.

Sem falar na magia das proparoxítonas. Ouça: PRO-PA-RO-XÍ-TO-NA. Ética, poética, métrica, tréplica, intrépida, metódica, carótida, translúcida...

Gosto também das cores. Já reparas-te o azul? Olhe para o céu, para o mar. Repare o azul. Uma camisa azul, uma parede azul, olhos azuis. A-ZUIS. Pense azul. Pense também em poesia. Não falo de verso nem de prosa nem rima e menos ainda de estilo. Sem poesia é que não dá.

Sem cor também não pode. Formas? Pouco importa – o que vale é o meio: simbólico, lúdico, lírico. Intensidade, beleza, poesia cor e luz – muita luz. E música. Não esqueçamos o poder do som: ssSSSS SOM.

Registros bobos de uma mente que mente a si mesma. Artifícios pequenos de quem teme a culpa. Palavras dúbias que transformam certeza em mistério.

Palavras confundem o que sentimentos justificam. Se sentir bastasse-me nada diria. Por outro lado, se emoção justificasse-me e convencesse-me eu estaria sendo claro e objetivo agora.

Será que ainda preservo incólume a capacidade de sonhar? Afinal, de que são feitos os sonhos senão de outros sonhos?

Temo as horas.

São quase três.

Sigo em clichês.

3 comentários:

Leon disse...

Li chinês onde escreveste clichês. Acho que dá no mesmo, no final das contas .. :P
Nesses momentos em que tentamos falar e não conseguimos, não é melhor ficar quieto?
Ora, temos que falar sempre?
xi, veio um clichê agora... "O peixe morre pela boca" ...
Mas ele não fala né? bah ...
Na falta do que falar, sigo com o silêncio sonoro, e com poucas palavras nebulosas.

Mas isso passa...

Núbia Roberto disse...

Para mim, meu caro Silveira, pôdes falar sem medo, pôdes soltar PA LA VRAS que me façam viajar neste Universo de uma força incontestável de prazer. Afinal sou fã de tudo que vem deste cérebro devastador...

Leticia disse...

Deixa eu te contar uma história bonitinha. Tenho um amigo cego e uma vez perguntei a ele como se lembra das pessoas quando pensa nelas, já que normalmente pensamos no rosto. Ele, que enxergou um pouco quando criança, me disse que dava cores às pessoas (até para não se esquecer delas - as cores). Claro que perguntei que cor eu era e ele disse "azul claro, como o céu". Nunca concordei, mas sempre achei lindo!