17.11.09

Ácido

Não adianta desperdiçar sofrimento
Por quem não merece
É como escrever poemas no papel higiênico
E limpar o cu
Com os sentimentos mais nobres

Querido Diário [Tópicos Para Uma Semana Utópica] - Cazuza


Tive um sonho estranho hoje. Nem sei se foi um sonho ruim, porque não me recordo com clareza de nada. Lembro apenas que foi um sonho tenso, desgastante. Acordei cansado, com uma sensação desconfortável e com a estrofe do poema em epígrafe repetindo na memória (não sei se do sonho). Repetindo, o tempo todo: “Não adianta desperdiçar sofrimento por quem não merece. É como escrever poemas no papel higiênico e limpar o cu com os sentimentos mais nobres”.

Acho esse poema do Cazuza maravilhoso. De uma beleza extremamente bruta, crua, despudorada. Daí lembrei de outra estrofe: “Evitar mentiras meigas. Enfrentar taras obscuras. Amar de pau duro”. Extremamente poético e belo. A beleza, para mim, se sobressai no que é natural. Como o diamante: quanto mais puro, mais transparente, belo e valioso se torna.

Abri a janela e vi que o dia estava branco – tão propício à preguiça, à melancolia e ao saudosismo. Voltei pra cama, tentei dormir de novo. Tive um cochilo rápido, suficiente para ter um pesadelo. Envolvia minha filha e levantei assustado. Só então me dei conta que estava atrasado para levá-la na natação.

Beijos e abraços dela espantaram a sensação estranha com a qual acordei. Mas, ainda sobrou uma pontinha de sei-lá-o-quê – talvez um pouco de mau humor, um resto de amargura, certo desânimo, ou quem sabe algo mais grave como o tédio querendo dar as caras. Segui o dia mecanicamente.

Entre levar a filha na academia, buscá-la, depois levá-la para a escola e depois ir para a academia de novo, me peguei reparando muito as pessoas que por mim passavam. Percebi que tentava identificar no semblante delas os sentimentos que, por ventura, lhes arroubavam no momento. Impossível, claro. Mas, foi uma experiência interessante.

Os casais me chamavam mais atenção. Novos, velhos, gays – não importa. Uns me deixavam com a impressão nítida de estarem de saco cheio um do outro. Outros pareciam completamente apaixonados. De volta à minha casa, comecei a pensar nos casais que me são próximos: um amigo descobriu estar sendo traído; uma amiga jura estar sendo traída; outro amigo revela abertamente estar se beneficiando do namoro, e não amando; uma amiga se rebaixa por conta do ex-namorado que a humilha...

Olhei para mim e veio a constatação: ando ficando louco de amor não dado.

Cada vez mais aumenta minha descrença no ser humano (assunto recorrente em vários registros deste blog). O egoísmo se sobressai nas mínimas atitudes do homem. Nas minhas observações de hoje, por exemplo, via claramente como as pessoas em geral não têm a mínima noção do que é o coletivo – caminhando na rua, dirigindo, em filas, praças, ônibus... Reparando os casais, percebi como é difícil identificar aqueles que, de fato, vivem uma vida a dois.

O egoísmo, sem dúvida, é a antítese do amor. Acredito que grande parte do mal que as pessoas causam umas às outras é praticado de forma inconsciente, sem intenção, sem dolo. É intrínseco ao bicho gente agir mais em benefício próprio, em busca do auto prazer, da auto realização, em detrimento das expectativas e necessidades do outro. Freud, com certeza, explica!

O dia parecia caminhar nesse ritmo de introspecção, com esses pensamentos tristes, enfadonhos, desesperançosos. Mas, Carlos Lyra e Ronaldo Boscoli deram a dica e Cássia Eller me ajudou na catarse. Melhor aproveitar a rara noite de folga para rir entre amigos que me desgastar com essas inquietações. E dá-lhe cerveja!


Ouvindo:
Saudade Fez um Samba (Carlos Lyra e Ronaldo Boscoli)
Voz: Cássia Eller

Deixa que o meu samba
Sabe tudo sem você
Não acredito que o meu samba
Só dependa de você
A dor é minha, em mim doeu
A culpa é sua, o samba é meu
Então, não vamos mais brigar
Saudade fez um samba em seu lugar

Um comentário:

David Thimotti disse...

Eu te amo amigo ... de verdade!!!
Beijos