16.4.09

Febre literária e outros subterfúgios poéticos



Da primeira vez foi a mesma coisa. Talvez até pior. Ou seria melhor dizer que foi mais grave. Não... nem pior, nem mais grave. Foi mais complexo, mais intenso, mais denso. Isso! Da primeira vez foi bem mais denso e intenso (e um pouco grave também) todo o processo de absorção. Justamente por saber como foi difícil digerir e superar tudo aquilo, eu deveria ter sido mais cauteloso desta vez, devia ter me armado. Mas fui ingênuo e, novamente, Dostoiévski pisa na minha alma.

A primeira vez foi com Os Irmãos Karamazovi. Em certos momentos do processo de leitura e de absorção das idéias eu cheguei a pensar que poderia estar entrando em um quadro de loucura. Juro. Dostoiévski deixa nua toda a humanidade no decorrer daquela trama, revelando as várias faces do sofrimento humano. E como dói.

Desta vez é com o Crime e Castigo. Rapá... a treta é sinistra! A leitura do livro está me levando a momentos reflexivos tensos. A catarse me provoca uma dor incomensurável, quase como da primeira vez que li Dostoiévski. Só que da outra vez... eu já disse isso, né?

Por que somos tão egoístas, tão cruéis? Por que tornamos a vida tão cruel?Por que somos tão alheios ao sofrimento do outro, e por que encaramos o sofrimento pessoal como o único real e legítimo? Por que julgamos ter poder sobre os outros? Por que não temos poder sobre a nossa mente?

São muitos os por quês... E para tentar distraí-los um pouco, fui à locadora de filmes... Peguei ao todo sete filmes. Dois eu já havia assistido, e entre os inéditos me apaixonei pelo O tempo que resta.


Nada de novo no enredo: uma pessoa que descobre uma doença incurável, em fase terminal, e que tem pouco tempo de vida. Mas o roteiro e a fotografia são surpreendentes. E o filme é lindo, emocionante. Não digo que é triste, mas também não afirmo que não o é. Me pergunto justamente isto: é triste descobrir quando se vai/deve morrer? Que se vai morrer, todo mundo sabe.

Caio Fernando Abreu, quando descobriu que tinha Aids, disse que se sentia privilegiado por vivenciar a própria morte de forma lúcida. Mas aparenta muita tristeza ao narrar sua expectativa de morte. Ele tinha esperanças e expectativas de viver muito ainda. Romain, personagem do filme, descobre que tem um tumor maligno no cérebro, e que o câncer já estava espalhado por todo o seu corpo, em metástase. Expectativa de vida: três meses, no máximo um ano.

É triste, sem dúvida. Mas o filme é belíssimo. E Romain toma atitudes nada clichês. Comparando ele com a Ann, do filme Minha vida sem mim, acho ele muito mais real, não personagem de um filme. Me parece mais natural. O ator, Melvin Poupaud, dá um verdadeiro show, e a fotografia... Vale a pena conferir o filme, eu indico!

Obviamente pensei em coisas como o que eu faria se descobrisse que estou morrendo. etc. Nada de muito concreto me ocorreu, exceto a necessidade de ler aGrande Sertão Veredas, do Guimarães Rosa, antes que a "indesejada das gentes " chegue perto de mim. Em três tentativas frustradas, apesar de toda a ânsia, não consegui ler este livro. Tenho que ler aquela história, e espero não ter pressa para concluí-la!

Já que falei de literatura e cinema, só pra constar, revelo que a sessão nostalgia do momento é marcada por Chico Buarque de Hollanda, o Grande! Ouvindo muita música dele, o que tem ajudado a amainar a minha febre dostoiévskiniana.

Para parecer que isso aqui é um blog multimídia, vai um clipe do Chico aê, com música inspirada em obra de Guimarães Rosa.


Um comentário:

Ewerton Martins disse...

Pois, como discutíamos pelo Twitter, inicio por agora a leitura de Crime e Castigo e espero mergulhar e sofrer com o livro assim como você sofreu - e como eu sofri ao ler O jogador. Antes, porém, tenho que ler Budapeste (mas já que você disse que é bom, não me preocupo) para a trágica da faculdade, para só então trabalhar meus instintos assassinos e meus sentimentos de culpa, remorso etc. Saudade de você, meu caro. Quis ir no lançamento da TV O Tempo para te re-encontrar, mas não pude faltar à aula. Acho que a melhor forma de terminar este comentário é com um célebre e clichê - mas nem por isso menos honesto - "vamos marcar". Pois então é isso: "vamos marcar". Abs!