17.5.06

05/01/2006

Num outro plano...

Choveu muito na madrugada de hoje. Eram cerca de três horas quando um trovão me despertou. A luz do quarto estava acesa, o livro que lia antes de adormecer jogado no chão, o corpo dolorido pela má posição na cama. Levantei-me, fui ao banheiro, arrumei a cama, apanhei o edredom, apaguei a luz e me deitei. Já não conseguia mais dormir. O sono foi embora. Passei a observar o barulho da chuva contínua. Vez ou outra todo quarto era iluminado por um raio. E o barulho da chuva no telhado. Um trovão me assustou. Concentrei-me novamente no barulho da chuva. Comecei a me lembrar de meus acampamentos. Outro relâmpago iluminou o quarto. Atentei para o som das árvores. Pude perceber pela sombra da janela o bailado dos galhos. E o barulho da chuva. Quando o vento soprou mais forte pude sentir o cheiro da terra molhada invadir o quarto. Prestei ainda mais atenção no barulho da chuva. De repente, ouvi um choro sofrido. Não pude identificar de quem eram aqueles soluços. Tateei até o cômodo escuro. Sentada em uma cadeira ao centro, com a face parcialmente iluminada pela chama de uma vela, uma menina chorava compulsivamente. Não sabia quem era, mas seus cabelos pareceram familiar. Ela havia perdido seu avô. Morrera um dia antes, mas somente ali, reclusa num cômodo escuro, pôde entregar-se às lágrimas. Sua mãe não podia vê-la chorar. Precisa que a filha se mantivesse forte, pois ela já não tinha mais forças, após cuidar tantos anos de seu pai que sofria com problemas nefrológicos. À menina só pude oferecer meus ombros. E meus ouvidos. Não ousei falar nada, palavra alguma lhe traria conforto naquela hora. Ela me contou sobre sua infância, sobre a luta da família, a ausência do pai, a doença do avô. Logo amanheceu. Convidei-a a um passeio. Ao ar livre ela poderia se acalmar e enxugar as lágrimas. Caminhamos à beira do rio. Ela se lembrou de quando ela e o avô foram pescar. As lágrimas voltaram. Com dificuldade consegui distrair aquela doce menina ao apontar-lhe um casal de pássaros. Uma música alta chamou-me a atenção. Não conseguia identificar de onde surgia aquela música. Não havia ninguém, senão a menina e eu, à beira daquele rio e a casa mais próxima devia estar a uns 500 metros. Esfreguei os olhos. Avistei o celular. Desliguei o despertador e me levantei. A chuva já havia passado. Espero que o choro da menina também tenha cessado.

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