"Satanas sum et nihil humani
a me alienum puto"*
Há pouco tempo, publiquei um texto em que comentava o exemplo do “Homem Bom”, descrito por Dostoiévski no livro Os Irmãos Karamazovi. Como disse, este foi o romance que mais me inquietou. Exatas 747 páginas que foram lidas, compulsivamente, em apenas cinco dias. Chegava ao cúmulo de dormir lendo o livro, sonhar com a continuidade do capítulo onde parei a leitura, e acordar com ele já em mãos. E devo dizer que não foi uma leitura superficial. O li com um bloquinho de post-it ao lado, fazia pequenas anotações referentes a trechos que me despertavam maior interesse, e afixava na margem da respectiva página.
Dostoiévski faz um retrato muito cru do comportamento humano neste livro. Cada personagem é descrito, no aspecto psicológico, minuciosamente. E eu fazia associações entre os personagens e as pessoas que conheço. Obviamente, me identificava bastante com vários deles também.
Como já registrei no post sobre “O Homem Bom”, o filósofo deixa claro que o comportamento humano se finda no egoísmo. Mas esse egoísmo se manifesta de formas diferentes em cada ser humano. Naquele texto, falei de Aliócha, que é o diminutivo de Alieksiéi Fiódorovich, caçula entre os Karamazovi. Hoje, vou falar do irmão do meio: Ivã Fiódorovich Karamazov. (apenas a título de curiosidade, no russo se acrescenta a letra “i” em alguns plurais)
Sem dúvida, Ivã é “o mais sensual entre os Karamazovi”, como afirmado pelo próprio autor. Mais até que o próprio pai, Fiódor Pávlovich Karamazov, que era um completo devasso, entregue a todo tipo de viciosidade e lascívia. Dostoiévski usa várias vezes o termo “sensual” ao se referir a Ivã e ao pai, mas não no sentido da sensualidade física. Até porque, pela descrição, Fiódor Pávlovich de bonito ele não tinha nada. Já Ivã parecia provocar certo furor nas mulheres. Porém, o “sensual” se refere, no contexto, ao caráter lascivo de ambos e à libertinagem a qual ambos se entregam (Ivã não era tão libertino, mas ainda assim era o mais sensual...)
Ivã era dotado de um ego imenso. Extremamente inteligente, era o mais culto entre os três irmãos. Sabia outros idiomas, fez curso superior, era autodidata e muito meticuloso... Sua condição o tornara num homem extremamente vaidoso, e se julgava superior a todos. Conhecimento é poder e ele sabia disso – e se aproveitava muito bem do poder que o conhecimento lhe conferia.
Por causa do ego gigante, não se dava muito bem com o pai. E a certa altura, traiu o velho tirano roubando-lhe uma boa parte da fortuna. Com medo de ser castigado, Ivã foge. Sabia os extremos da ira do pai, e jamais esperaria pela punição.
Nesse ponto chega uma das partes mais excitantes da trama! Para fugir do castigo, Ivã decide partir para Moscou. Porém, antes se refugia numa choupana. Lá, ele tem uma grande alucinação. Ele vê o demônio sentar-se na cama, e trava um longo diálogo com ele. Ivã, que era ateu, se vê desesperado. Ora! Para se crer no diabo, é necessário se crer em Deus – isso é uma condição sine qua non. Mas é aí que está o X da questão. O demônio era apenas uma imagem figurativa, já que a briga verbal era travada entre Ivã e sua própria consciência.
De certa forma, Ivã acreditava que era lícito o roubo ao pai, pois a fortuna do velho lhe seria de direito. Mas ele não conseguiu se manter ileso ao sentimento de culpa. Sua alucinação dura uma noite inteira, em meio a uma febre altíssima. E o diabo (sua consciência) continua lhe atormentando nos dias que se seguem. Ele acaba por ficar completamente louco.
Salvo engano, no livro Crime e Castigo (que AINDA não li), anterior ao Os Irmãos Karamazovi, Dostoiévski já faz menção a esse exemplo de Ivã: o pior castigo a um grande erro é sempre o que é imposto pela própria consciência.
* Em latin, no original: "Sou satanás e nada do que é humano reputo alheio a mim"
Dostoiévski faz um retrato muito cru do comportamento humano neste livro. Cada personagem é descrito, no aspecto psicológico, minuciosamente. E eu fazia associações entre os personagens e as pessoas que conheço. Obviamente, me identificava bastante com vários deles também.
Como já registrei no post sobre “O Homem Bom”, o filósofo deixa claro que o comportamento humano se finda no egoísmo. Mas esse egoísmo se manifesta de formas diferentes em cada ser humano. Naquele texto, falei de Aliócha, que é o diminutivo de Alieksiéi Fiódorovich, caçula entre os Karamazovi. Hoje, vou falar do irmão do meio: Ivã Fiódorovich Karamazov. (apenas a título de curiosidade, no russo se acrescenta a letra “i” em alguns plurais)
Sem dúvida, Ivã é “o mais sensual entre os Karamazovi”, como afirmado pelo próprio autor. Mais até que o próprio pai, Fiódor Pávlovich Karamazov, que era um completo devasso, entregue a todo tipo de viciosidade e lascívia. Dostoiévski usa várias vezes o termo “sensual” ao se referir a Ivã e ao pai, mas não no sentido da sensualidade física. Até porque, pela descrição, Fiódor Pávlovich de bonito ele não tinha nada. Já Ivã parecia provocar certo furor nas mulheres. Porém, o “sensual” se refere, no contexto, ao caráter lascivo de ambos e à libertinagem a qual ambos se entregam (Ivã não era tão libertino, mas ainda assim era o mais sensual...)
Ivã era dotado de um ego imenso. Extremamente inteligente, era o mais culto entre os três irmãos. Sabia outros idiomas, fez curso superior, era autodidata e muito meticuloso... Sua condição o tornara num homem extremamente vaidoso, e se julgava superior a todos. Conhecimento é poder e ele sabia disso – e se aproveitava muito bem do poder que o conhecimento lhe conferia.
Por causa do ego gigante, não se dava muito bem com o pai. E a certa altura, traiu o velho tirano roubando-lhe uma boa parte da fortuna. Com medo de ser castigado, Ivã foge. Sabia os extremos da ira do pai, e jamais esperaria pela punição.
Nesse ponto chega uma das partes mais excitantes da trama! Para fugir do castigo, Ivã decide partir para Moscou. Porém, antes se refugia numa choupana. Lá, ele tem uma grande alucinação. Ele vê o demônio sentar-se na cama, e trava um longo diálogo com ele. Ivã, que era ateu, se vê desesperado. Ora! Para se crer no diabo, é necessário se crer em Deus – isso é uma condição sine qua non. Mas é aí que está o X da questão. O demônio era apenas uma imagem figurativa, já que a briga verbal era travada entre Ivã e sua própria consciência.
De certa forma, Ivã acreditava que era lícito o roubo ao pai, pois a fortuna do velho lhe seria de direito. Mas ele não conseguiu se manter ileso ao sentimento de culpa. Sua alucinação dura uma noite inteira, em meio a uma febre altíssima. E o diabo (sua consciência) continua lhe atormentando nos dias que se seguem. Ele acaba por ficar completamente louco.
Salvo engano, no livro Crime e Castigo (que AINDA não li), anterior ao Os Irmãos Karamazovi, Dostoiévski já faz menção a esse exemplo de Ivã: o pior castigo a um grande erro é sempre o que é imposto pela própria consciência.
* Em latin, no original: "Sou satanás e nada do que é humano reputo alheio a mim"
Um comentário:
gostei da análise
e me deu mta vontade de ler esse livro
eu li apenas um livro de Dostoievski...
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