21.7.08

O Homem Bom

"...Cordeiro de Deus,
Que tirai os pecados do mundo,
Tende piedade de nós..."




Estive mergulhado na sétima arte nos últimos dias. Tenho a sensação de que isso não me fez muito bem... Fui submetido a um processo catártico de forma muito intensa e complexa. Para quem não conhece o termo, tendo elucidá-lo de forma um pouco objetiva e superficial: Aristóteles, ao estudar a tragédia (entenda-se contemporaneamente como qualquer forma de expressão artística) definiu a catarse, ou a “purificação das paixões”, como o efeito provocado no público em contato com dramatização do sentimento humano. Freud, séculos à frente, também iria se apropriar do termo em sua teoria psicanalítica. Em outras palavras, a catarse funciona da seguinte forma (tomarei como exemplo o cinema): ao assistir um filme, o espectador inicialmente se identifica com determinada personagem, em seguida ele vivencia o mesmo sentimento da personagem, e depois ele julga a atitude daquele personagem, momento do qual ele “volta a si”, distanciado da trama. Aí, tem-se início um novo ciclo do processo catártico.

No “Tropa de Elite”, por exemplo, ao acompanhar o drama do Nascimento, quantas vezes o espectador se sente empático ao sofrimento dele, e quantas vezes ele repudia as atitudes do soldado? Os elos de identificação (e de julgamento) com a personagem são os sentimentos que partilhamos com ela. E o sentimento expresso através da arte é capaz de nos permitir “purificar” os nossos sentimentos. Muitas vezes, nos valemos da atitude de vingança tomada por uma personagem, por exemplo. Nos apropriamos daquele sentimento de vingança e torcemos para que a personagem a sacie. E nos sentimos ótimos quando ela consegue!!! “Panis et circenses”, já dizia um sábio Rei!

Dentre os filmes que me imergiram em profunda catarse, destaco Manderlay, do dinamarquês Lars Von Trier. É o segundo filme da trilogia referente ao Dogma 95, movimento proposto pelo diretor. De forma bem sucinta, o Dogma 95 é um movimento cinematográfico contemporâneo, proposto através de um manifesto assinado em 1995, que pretende o resgate da sétima arte tal como ela era concebida no seu início, e prevê regras rígidas na produção de um longa-metragem. Manderlay, e seu antecessor Dogville, não seguem à risca todos os dez postulados do manifesto, mas são impecáveis quanto à valorização da dramatização cênica e na riqueza do minimalismo.

Não gosto de comentar muito os filmes, pois acabo entregando o final da trama. E ambos os filmes do Lars Von Trier eu indico a qualquer pessoa. É necessário assistir primeiro Dogville, pois Manderlay é a continuação da saga de Grace (no primeiro quem a interpreta é a incontestável Nicole Kidman; já no segundo é Bryce Dallas Howard, que o faz bem, mas sem o mesmo charme da Nicole).

O que me interessa comentar é que Von Trier é FANTÁSTICO! Ele consegue transmitir de forma muito crua a essência do comportamento humano. A trilogia procura fazer um retrato da sociedade norte-americana. E o que ele consegue é traçar um perfil de toda a humanidade. Ainda não assisti ao útlimo da trilogia, Wasington (sem o “h” mesmo, lançado em 2007) e estou ansioso agora.

Não adianta. Somos muito mesquinhos e hipócritas ao julgarmos as atitudes alheias. Todos nós, sem exceção, somos dotados de amor, compaixão, ternura, carinho... Mas também de ira, raiva, vingança, ódio, preguiça, ganância... Relutamos muito em assumir que valemos tão pouco quanto aquele para quem apontamos o dedo, ousando qualquer tipo de julgamento. Mas dificilmente reconhecemos isso. Grace, personagem chave da trilogia, representa essa nossa condição de forma muito crua mesmo.

Por causa das reflexões pós Manderlay, lembrei-me muito de um dos romances que mais me inquietou: Os Irmãos Karamazovi, do Dostoiévski, devorado compulsivamente em apenas cinco dias. O filósofo retrata, assim como o cineasta dinamarquês, a essência do comportamento humano, mas usando como objeto de estudo a sociedade russa de meados do século XIX. Através de todos os personagens, que são meticulosamente detalhados por Dostoiévski, vê-se nitidamente o quanto a raça humana pode ser considerada a escória da criação divina. (Sim, eu realmente estou em um estado de ligeira (!) revolta.) Em suma, compreendo que a essência do homem se concretiza em um único sentimento: o egoísmo.

No romance de Dostoiévski, ele aponta Aliekisiei Fiódorovich, o caçula Aliócha da família Karamazov, como o grande herói da trama. Ele representa o exemplo do “homem bom”, que se resigna dos próprios prazeres para sofrer a dor alheia. Ele almeja se tornar um monge, e tenta exasperadamente basear sua conduta na caridade, no amor e no respeito ao próximo. É linda a história do jovem Aliócha! Mas, basta um olhar um pouco mais atento para se perceber que também o “grande herói” do nosso filósofo age de acordo com sua essência: egoisticamente. Talvez seja uma visão muito intransigente e pessimista da minha parte, mas para mim é claro que ele pratica o bem em benefício de seu próprio ego. A caridade para ele, assim como para tantos iguais a ele, é uma forma de satisfação pessoal ou de percurso para atingir um objetivo próprio, não uma atitude espontânea e explícita de solidariedade.

P.S.: Acho que ficou claro que tanta catarse não me fez bem, não é?!

4 comentários:

Sr_X disse...

Hum... analisar a mente humana... hummmmm

Sabe, eu temo pelo egoísmo que possuo. Na maioria das vezes minhas decisões são baseadas no "todo", e isso me faz levar em consideração não apenas eu, mas todo mundo que pode ser atingido pelo raio de decisão que ferve sob o meu ser..

Então, se eu agir de forma diferente, posso me tornar igual aos outros...

humano

...

Anônimo disse...

Interessante.
Von Trier nunca me atraiu.
O acho arrogante e por isso mesmo me recusei a ver Dogville depois de assistir a uma entrevista dele não sei onde.
Mas vc me deixou curioso agora.
Se vou assistir?
Não sei, rs...
Abraço

Unknown disse...

Que complexo isso...
Acordei meio loira e ainda estou tentando entender... se puder desenhar...

bjossss

Raio de luz... disse...

O pior é que também estrago contando o final da história...

Faz tanto tempo que ninguém me chama de mocinha...heheh...
Foi bom ouvir. Ou ler.
Beijo
Ju