10.3.08

A desordem (das coisas), na (quase) ordem dos fatos



“Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma", já dizia Lavoisier. Somos parte de um processo contínuo. Dependendo da perspectiva, somos um processo em si. Entendo que todo processo é desordenado. E é justamente na desordem que as partes distantes podem se juntar, e que outras partes podem se separar. E assim se forma um corpus mais coeso, mais uniforme, e o processo se conclui para, então, gerar um novo processo, novamente em desordem.

Já virou pleonasmo Solilóquios e desatualização! Mas eu não o abandono. Esse cantinho guarda registros da desordem dos meus processos. É aqui que registros grandes momentos de desordem e, assim, tento ordenar o pensamento.

Há um bom tempo tudo se apresenta a mim em grande desordem. O ritmo de vida parece aumentar ainda mais as turbulências. Daí vem uma mistura de sentimentos díspares e o alarme soa emergência. E se nesse a instante piso o acelerador com maior ânsia de corrida, em seguida o freio não funciona e os impactos são muito mais pesados.

O “bom tempo” ao qual me refiro não carece de data inicial, menos ainda data limite. Não é um todo, é apenas parte de um processo que começou lá atrás, e que termina lá na frente.

Os que me conhecem já devem estar prevendo um post looooongo e melancólico. Adianto, aos que se aventurarem a prosseguir, que dividirei o relato em “pílulas”, pequenos registros, para parecer menor (!). Já quanto ao teor melancólico, se for notado, é apenas reflexo do estilo de linguagem!

E para ninguém dizer que não falei das flores ao narrar a desordem...

Das Flores

Num certo dia da primavera passada, caminhava pelas ruas quando uma flor chamou-me atenção em um canteiro. Havia muitas flores, mas ela se destacava pelo tamanho e pelas cores. Achei muito estranho, mas ela era furta-cor. Combinava muitas cores que jamais vi em uma da espécie. Tratava-se de uma azaléia. Em sua volta, outras azaléias pequenas nas cores rosa, branca, vermelha e violeta. Todas belas. Mas, em meio à desordem genética, aquela flor, com grande sensibilidade, soube organizar aquele caos e configurar-se a maior e mais bela azaléia do canteiro.

Das coisas “quase”

Tão pior que o “se” ou o “será” é o “quase”. “Quase” não significa nada, ou “quase” nada, a não ser uma negativa. Quase conseguir é não conseguir. Quase terminar é não terminar. Quase esquecer é não esquecer. Quase vencer é perder. Do contrário, poderia dizer que pensar assim é ser quase relativista.

Das escolhas

Amadurecer é fazer escolhas. Percebo assim. A vida nos cobra atitude a todo tempo. Temos o livre arbítrio para agir, não para ficarmos inertes. Mas fazer escolhas não é um processo simples, mecânico, automático. Ao contrário. Lei da ação e reação: cada possibilidade representa resultados desconhecidos. Na inconseqüência da puberdade escolher é tão natural quanto acordar. Mas chega um ponto que a vida pede prudência.

Do dinheiro

É vendaval: a falta ou a fartura das tais verdinhas (no nosso caso oncinhas, peixinhos... rs!). Como uma sociedade que teve suas relações comerciais originadas na base do escambo pode hoje ser tão obcecada pelo acúmulo de riquezas? Como podem as pessoas serem tão escravas de um poder simbólico? Respostas simples: dinheiro. Obra que o “coisa ruim” deixou quando passou por aqui, por volta do século XV...

Dos vícios

Li um livro que me inquietou por demais: Os Irmãos Karamazovi, do Dostoiévski (recomendo!). Se fosse citar todas as partes que mais me impressionaram, gastaria no mínimo oito laudas (já escrevi algumas considerações sobre o livro e foi este o tamanho do texto.). Logo no início há uma passagem em que um ancião discursa para algumas pessoas em seu aposento. Dirigindo-se especificamente a um homem em especial, o ancião fala do poder destrutivo da mentira. Dizia o ancião que a mentira leva o homem ao pior estado da alma. Acrescentava ele que da mentira ao próximo, o homem passa a mentir para si mesmo. E que da mentira a si próprio o homem se entrega aos vícios e passa a viver em profunda lascívia. Passado algum tempo após essa leitura, compreendi o que dizia o sábio ancião. E foi muito triste tal descoberta. É triste ver alguém que lhe é querido se desmoralizar. É muito triste ver alguém que você tanto preza perdido, pedindo ajuda, mas negando auxílio. É muito triste você ver alguém que você ama sofrendo, enxergando apenas trevas sem se interessar mais pela luz. É muito triste...

Das frustrações

Uma alma muito iluminada, a quem tenho a honra de ser amigo, traduziu perfeitamente o modo como conduzo minhas relações pessoais. Disse-me ela o seguinte:
“Dani. Você sabe que eu nunca me entrego de cabeça em nenhuma relação. Nunca espero nada de sublime em ninguém. Sou resistente em me tornar íntima. Ao contrário de você, que se entrega completamente a qualquer pessoa. E veja só: as pessoas acabam me surpreendendo. Já você, sempre se decepciona. Daí fica frustrado, e nem pode dizer que a ‘culpa’ é da outra pessoa.”

Da saudade

Dentre as várias decepções e frustrações recentes, uma tem maior peso que todas. Pesa mais porque pesa em dobro, já que ambos nos decepcionamos. Um mais que o outro, talvez. Toda decepção dói bastante, e essa também doeu em dobro. Decepcionar implica, necessariamente, em perder: a confiança, o carinho, o respeito, a companhia... De fato, é somente quando perdemos algo que lhe damos o devido valor. E somente depois de perder descobri que amava. Mas acabou. Os cheiros voltam, as músicas sempre tocam, as fotos não desbotam. Mas, acabou. Enfim, de tudo descobri algo que, certamente, mudou (está mudando) a forma com a qual me relaciono com as pessoas e, principalmente, com o passado. Descobri que cada pessoa tem o lugar que merece em nossa vida. E se esse lugar for o passado, que seja o passado. Isso não diminui, de forma alguma, o valor que ela tem na nossa vida. Pelo contrário.

Do sistema

O “furacão” Tropa de Elite passou e deixou no país uma ideologia de que é a classe média, digo, o maconheiro da classe média, que financia o tráfico de drogas e todo o terror que este acarreta. Particularmente, acho que trata-se de uma conclusão absolutamente reducionista de um problema que tem causas inúmeras, de origem histórica e que envolve todas as classes sociais do país, incluindo usuários e não usuários de droga. Vivi recentemente uma situação que jamais imaginei viver. Fui vítima do sistema em duas vertentes: a dos bandidos e a da polícia. Vivi momentos de terror, sob ameaça de morte. O sentimento de impotência e a humilhação foram superados pelo alívio de permanecer vivo. Passado o terror, vivi o pânico de ter que recorrer à uma polícia hipócrita, mesquinha, corrupta, preconceituosa, que privilegia classes em detrimento do cidadão. E os culpados são os maconheiros?

Do pensamento

“Cuidado com o que você pensa”, me alertava um amigo. Como se fosse fácil controlar o pensamento. Razão e emoção não se equilibram – ao menos para mim. E no meio daquela certa insanidade, literatura, música e cinema catalisam meus desatinos. Não abro mão das artes e não me furto o pensar. Então, de nada posso reclamar. Mas peço calma ao tempo: pára mundo que eu quero descer!

Do inferno astral

Não tem jeito, ele sempre vem. No mês que antecede o aniversário o chamado “inferno astral” me incomoda a alma. Percebo-o como um momento de maior introspecção, no qual começo a julgar com maior sinceridade os meus próprios atos. É doloroso e confuso porque implica no julgamento de valores pessoais que balizam nossa conduta. A verdade dói, todos dizem. Mas, percebo que a evolução existe. Neste ano sinto-me mais seguro, mais homem. Balanço, mas tremo. Tropeço, mas não caio. Hesito, mas não paro. Em breve comemorarei meu ano novo, com a certeza de algo sempre muda, que alguma coisa sempre acontece, e que depois da tempestade, sempre vem a abonança.

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