1.3.07

Valores morais x maioridade penal

Quanto vale uma vida? Qual é o tempo de uma vida? Qual deve ser o trajeto da vida? Uma tragédia em sete quilômetros não é capaz de responder a estas perguntas. Mas, sugere outros inúmeros questionamentos. Em meio a estes, surge a pergunta: “E aí, nós não vamos fazer nada?”

Na última terça-feira, o Brasil inteiro ansiava pela dissolução do triângulo amoroso do BBB-7. Toda a ansiedade foi anestesiada quando os pais de João Hélio contaram, minutos antes do reality show entrar no ar, a triste página que marcou suas vidas.

“Você não vai fazer nada?”, perguntou-me a mãe do garoto. Ela se dirigiu a mim, transparecendo toda a dor de uma mãe que acaba de perder o filho, e perguntou-me se eu não iria fazer nada. Pensei na integridade da vida de minha filha. Contive as lágrimas e perguntei a mim mesmo: E então, eu não vou fazer nada?

Ouço o rádio e o locutor pergunta: “E aí, nós não vamos fazer nada?”. Caminho pelas ruas e um outdoor me chama atenção com a pergunta: “E aí, nós não vamos fazer nada?”. Folheio jornais e revistas e deparo-me com a pergunta: “E aí, nós não vamos fazer nada?” Entro no MSN, acesso orkut, visito blogs, portais de notícias e em todos os lugares virtuais alguém também me pergunta: “E aí, nós não vamos fazer nada?”.

Fazer o que? Repetir mais uma vez a pergunta “E aí, nós não vamos fazer nada?”?

Compreendi o que querem que eu faça: que cobre das autoridades a redução da maioridade penal. Aliás, percebi que, mais do que pedir por justiça, querem que eu participe da discussão quanto à maioridade penal.

É tudo muito repetitivo. A pergunta, o termo “maioridade penal” e, sobretudo, a banalização da vida.

O sofrimento dos pais do garoto assassinado no Rio de Janeiro é um sentimento que desejo nunca experimentar. Tento ser empático, mas chego a ter medo de me colocar no lugar daquele pai. A aflição e a dor da mãe desta criança, ao vê-la ser arrastada até a morte, são imensuráveis e inimagináveis.

Mas, questiono: será o sofrimento desta família, que perdeu uma criança de forma tão selvagem – para não dizer demoníaca – maior que o de um pai que perde o filho vítima de uma bala perdida? E da mãe que perde o filho nos braços, esperando por atendimento médico? E da tia que perde o sobrinho, já órfão, vítima de acerto de contas do tráfico?

O Brasil precisa repensar o tratamento dado aos criminosos menores de dezoito anos. É preciso que algo seja feito para que tragédias como essas não ocorram novamente. Mas, será que é disso mesmo que o país precisa? Dar aos menores o mesmo tratamento dado aos bandidos adultos? Sem dúvida isso precisa mudar. Se um jovem de dezesseis anos já tem autonomia para decidir o futuro político do país, ele é autônomo suficiente para responder civilmente pelos seus atos.

E quanto aos meninos de quatorze, treze ou doze anos? Devem ser tratados da mesma forma que os de dezesseis? Se o desvio de conduta é uma questão de ausência de valores morais, pergunto o que fazer com uma criança de cinco anos que se espelha no pai ou no irmão e diz que quando crescer quer ser bandido. É possível, nas condições em que essa criança vive, ensinar-lhe valores diferentes? Tem o Estado interesse em ampará-la? Acho que esta criança deve ser presa imediatamente ao revelar que quer ser bandido. Ela é um transgressor em potencial, e talvez antes dos dezesseis mate diversos coleguinhas do bairro.

Estou sendo muito radical. Ater-me-ei novamente à problemática da redução da maioridade penal para dezesseis anos. Afinal, é um absurdo que um jovem que comete um assassinato nesta idade, seja solto após dois anos.

E aí, Legislativo? Não farão nada? Não reduzirão a maioridade penal? Não escutam o apelo dos pais de João Hélio Fernandes, 6, arrastado por sete quilômetros? Já estão fazendo, eu sei. Já está em pauta essa discussão.

Então, mudo a pergunta: findo o debate, seja qual for o resultado, ouvirão também o apelo de outros pais? Será que, ao menos, na próxima eliminação do BBB, com audiência nas alturas, será veiculado o apelo de uma mãe que não tem condições de mandar o filho para a escola porque não tem como vesti-lo? Ou será dada voz ao pai que não consegue alimentar sua família? E àqueles que sofrem nas longas - e infrutíferas – filas dos hospitais públicos, daremos razão aos seus clamores? E mais: faremos alguma coisa se os ouvirmos?

“Calma”, me dizem. Tudo isso faz parte de um processo salutar. Vamos primeiro decidir se um adolescente deve ou não cumprir pena pelo crime que comete, assim como a um adulto. Isto é urgente. É para ontem. Depois tratemos as raízes da violência.

Por falar em violência, foi bárbaro o assassinato daqueles franceses, também na belíssima Rio de Janeiro. Mais um crime bárbaro. Mais um monstro criado em nossa sociedade democraticamente desigual. O assassino, desta vez, não estava totalmente à mercê dos governantes. Não sofreu tanto as mazelas que cabem aos excluídos. Ele fora acolhido pelo casal quando ainda não possuía a maioridade penal. Recebeu acesso à saúde e à educação. Faz parte hoje da elite cultural que tem acesso ao ensino superior. Ao casal que lhe deu tudo, retribuiu com a morte. Mas, felizmente, nossa legislação garante que pague pela atrocidade que cometeu, já que possui mais de dezoito anos.

O caso “João Hélio” ganha manchetes diárias. Os franceses também estão ganhando. Guido Mantega, presente na mídia devido aos assuntos relacionados ao Ministério que representa, também ganhou alguns “abres de página” ao ser vítima da violência urbana. E quanto aos mortos anônimos? E às vítimas da violência banal, corriqueira? E quanto aos bandidos adultos, especializados e impunes? Nós não vamos fazer nada?

3 comentários:

Mah Caldeira disse...

Nessas situações é realmente difícil saber como agir. A cobrança é geral, e acredito que muita gente deve estar se perguntando a mesma coisa: "e eu, não vou fazer nada?"...
Eu acredito que as mudanças partem de atitudes, e essas, de iniciativas.
A sua, de publicar esse texto, já é uma iniciativa muito válida. Vai estimular o pensamento dos seus leitores, e disseminar o desconforto capaz de alterar o status quo.
E eu também acredito que iniciativas servem justamente como o início de tudo. A gente não deve parar por aqui.
O que eu mais desejo é que a gente consiga se questionar a cada notícia: "E aí, nós não vamos fazer nada?"!

PS: Ótimo texto. Rende contratação hein!!! rs

Beijo

Anônimo disse...

Quantas perguntas, heim? Como disse a Mah, escrever e divulgar este texto já é fazer "alguma coisa". Creio que o "fazer algo" consiste exatamente em discutir, protestar, reivindicar. Algo muito além de simplesmente exigir a redução da maioridade penal, até porque nem tenho certeza se é isso que os pais do João Hélio realmente desejam.

A par da discussão sobre reduzir ou não a maioridade penal, tenho plena consciência de que não são as (mudanças das) leis que alteram a sociedade, mas a sociedade é quem tem poder de alterar as leis. Haja vista a hedionda Lei dos Crimes Hediondos, produzida no calor do caso Daniela Perez, que além de criar mais problemas no sistema carcerário e jurídico não diminuiu em nada a incidência dos crimes que pretendia combater.

O fato é que mais importante que o rigor das lei é a certeza de sua aplicação. Pois o criminoso não se questiona sobre o tamanho da pena quando vai cometer um crime, mas com certeza pondera sobre as chances de "ser pego" ou não.

Há ainda as outras demandas, tão ou mais importantes que a "grande questão nacional" da atualidade. Penso que "fazer alguma coisa" é sempre batalhar por todas elas, através dos meios que cada um tiver disponível, na medida de suas necessidades e disponibilidades.

E viva a democracia!

Paula Barroso disse...

Que texto reflexivo!
Não sei se um dia conseguirei responder essa pergunta,espero que sim...